1° PALESTRA

 

Criação da identidade nacional brasileira- século XIX

Apresentação:

Esta palestra tem como objetivo apresentar um panorama histórico das questões sociais no Brasil do século XIX. Além disso, traçar um paralelo e fazer um contraponto entre o período romântico e o período realista (escola de estilo a qual pertence Artur Azevedo).

Na Europa: Reformas ideológicas

A Liberdade Guiando o Povo  Eugene Delacroix  1830  Museu do Louvre - Paris

A Liberdade Guiando o Povo

Eugene Delacroix  1830

Museu do Louvre - Paris

Período de grande transformação, o século XIX é herdeiro do Iluminismo e da vitória e ascensão completa da burguesia no sentido político, ideológico e econômico. Porém os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade pregados pela própria burguesia não lhe eram mais interessantes a partir do momento em que ela se vê como classe dominante. Segundo se pronunciava a Gazeta Médica “Não pode ser admissível em absoluto a igualdade de direitos sem que haja ao mesmo tempo, pelo menos, igualdade na evolução... No homem alguma cousa existe além do indivíduo...fazer-se do indivíduo o princípio e o fim da sociedade, como sendo o espírito da democracia, é um exagero da democracia, é um exagero da demagogia[1]

(Cena Vestido)- Aristocracia falida ou burguesa em ascensão- ambas não enxergam a classe trabalhadora como uma igual.

A vitória da razão em relação aos dogmas medievais valeu-se dos conceitos evolucionistas de Charles Darwin para justificar a escravidão e a não miscigenação das raças. “que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao Brasil. Não poderá negar a deterioração decorrente da amálgama das raças mais geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando rapídamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental”[2] “Abrem-se-me  então os olhos e percebo taes homens já não vivem na innocencia paradisíaca e que as theorias de Jean Jacques Rousseeau são meros sonhos. Os americanos não representam uma raça selvagem, representam antes uma raça degenerada que se tornou selvagem... Assim poucos séculos se passarão e o último americano deitar-se-á. Se não se garantir a superioridade do sangue branco toda a população do continente definhará”[3]

No Brasil: Transferência da família real portuguesa

Dentro deste contexto que se da independência brasileira em 1822. O país que até pouco tempo atrás era considerado terra de passagem e de trabalho vinculado ao enriquecimento rápido e recebeu a comitiva de Dom João VI trazendo consigo ou criando uma série de instituições para a colônia na America Portuguesa tais como: a fundação Banco do Brasil, em 1808; a criação da Imprensa Régia e a autorização para o funcionamento de tipografias e a publicação de jornais também em 1808; a criação da Academia Real Militar em 1810; a abertura de algumas escolas, entre as quais duas de Medicina – uma na Bahia e outra no Rio de Janeiro; a instalação de uma fábrica de pólvora e de indústrias de ferro em Minas Gerais e em São Paulo; a vinda da Missão Artística Francesa em 1816, e a fundação da Academia de Belas-Artes; a mudança de denominação das unidades territoriais, que deixaram de se chamar "capitanias" e passaram a denominar-se de "províncias" em 1821; a criação da Biblioteca Real (1810), do Jardim Botânico (1811) e do Museu Real (1818).

No total, pelo menos 15 mil pessoas transferiram-se de Portugal para o Rio de Janeiro no período. (slide) Para melhor medir a força desse empuxo burocrático, convém lembrar que em 1800, quando a capital dos Estados Unidos mudou-se de Filadélfia para a recém construída Washington, o contingente de funcionários do governo federal americano não excedia o milhar, contando-se desde o presidente John Adams aos cocheiros do serviço postal.[4]

O mito das três raças e o indianismo

Todas estas transformações bruscas foram primordiais para o processo de independência brasileira. Enquanto ela ocorre inicia-se uma busca pela identidade do povo brasileiro e o que ele se diferencia do português-europeu.  O modo positivista de estudar a História (que era realizado na época) trazia à formação do povo brasileiro o mito das três raças (brancos, negros e índios). Como foi analisada anteriormente a miscigenação não era muito bem vista aos olhos da ciência. Os brancos-portugueses eram aqueles dos quais se buscavam se diferenciar. Nada justificaria a valorização do negro, que era visto como objetos bastante lucrativos pela sociedade escravocrata.

Leitura semiótica das fotografias

·         Negro escravo descalço, vestindo roupas de branco. Escravidão como justificativa para a civilização dos gentis.

·         Alegoria do Brasil- Uma negra escrava carregando nos ombros a pátria branca recém nascida.

Segundo conta no capitulo Senhores e Subalternos no oeste paulista[5], possuir um escravo era um bem inestimável. Em um estudo de caso diz: “Quando Lúcio faleceu, em 1861, seu patrimônio consistia principalmente em 23 escravos, o sítio, duas casas e um terreno urbanos. Seu espólio foi avaliado em 52 contos de réis, ou em torno de US$ 27.000 pelo câmbio da época. Ele era, portanto, um homem próspero na sua comunidade, mesmo entre os senhores de escravos, embora estivesse longe de ser um dos mais ricos. (em 1872, três em cada quatro senhores em Campinas tinham menos de vinte cativos; porém, os 4% mais ricos possuíam acima de cem.) Seus escravos, representando quase dois terços dos bens fundiários dele- proporção nada estranha para os senhores da época”. Como pode ser visto, a abolição colocaria fim a boa parte do patrimônio da oligarquia brasileira. Além do mais, a escravidão trazia consigo um lucro dobrado , pois além de ser um bem material, o escravo era produtor de riquezas. Deste modo não existia nenhum interesse em valorizar a cultura negra- povo que não era encarado pela sociedade escravocrata como seres humanos. (exemplificando a questão da lucratividade do trabalho escravo). 

Assim surge o indianismo. Seus elementos caracterizadores podem ser alinhados como sendo: elementos folclórico de grande influencia estrangeira e elemento naturista, elemento condicionado pela escravidão, que forçava a exclusão do negro como matéria literária. O elemento idiomático, constituindo a preocupação dos escritores indianistas afirmar a autonomia literária não só através do fundo como através da forma.[6]

Podemos usar, como exemplo de análise do indianismo a escultura América. Ela usa indumentária de tecido e de plumas, numa pequena referência que impõe a cultura indígena em uma obra de traços e modo de vestir europeus. Usa um panejamento clássico que lhe cobre os seios, e uma sandália grega com enfeites indígenas. Aos seus pés está um jacaré, trazendo o caráter do maravilhoso (aquilo que provoca grande admiração ou assombro em virtude de sua grandeza e beleza) que a América tem desde a chegada dos europeus. A posição na qual o jacaré se encontra traz consigo a condição indomável

Escultura América

Autor desconhecido

Obra acadêmica

Museu da Casa Brasileira

Pensar que a estátua América é do século XIX já é em si um exercício de reflexão quanto ao aspecto de criação de identidade nacional brasileira, que passa a valorizar a idealização cultura indígena na busca de um herói nativo. Nasce daí o indianismo tão utilizado por José de Alencar em várias de suas obras que valoriza o que é nacional, mas de maneira fictícia e idealizada.

(Análise semiótica da escultura América)

“Quando a cavalgada chegou à margem da clareira, aí se passava uma cena curiosa.

Em pé, no meio do espaço que formava a grande abóbora das árvores, encostado a um velho tronco decepado pelo raio, via-se um índio na flor da idade.

Uma simples túnica de algodão, a que os indígenas chamavam aimará, apertada à cintura por uma faixa de penas escarlates, caia-lhe dos ombros até ao meio da perna, e desenhava o talhe delgado e esbelto como um junco selvagem.

Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua pele, cor de cobre, brilhava como reflexos dourados, os cabelos pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte, a pupila negra, móbil cintilante, a boca forte, mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto um pouco oval a beleza inculta da graça, da força e da inteligência.

Tinha a cabeça cingida por uma fita de couro, à qual se prendiam do lado esquerdo duas plumas matizadas, que descrevendo uma longa espiral, vinham roçar com as pontas negras o pescoço flexível.

Era de alta estatura; tinha as mãos delicadas; a perna ágil e nervosa, ornada com uma axorca de frutos amarelos, apoiava-se sobre um pé pequeno, mas firme no andar e veloz na corrida”.[7]

O prestígio do teatro no século XIX- início do século XX

Apenas a título de ilustração da importância e do prestigio do teatro no passado, temos como exemplo o Real Teatro de São João foi inaugurado em 1813. Em 1824, nele foi promulgada a Primeira Constituição Brasileira, na presença do Imperador e da Imperatriz, mas no momento da solenidade o teatro pegou fogo. Ele foi reconstruído e reinaugurado por Dom Pedro I em 1826, passando a chamar-se Teatro São Pedro de Alcântara. Em 1838 foi alugado por João Caetano, o maior ator do Século XIX, mas de novo foi destruído pelo fogo em 1851 e mais uma vez em 1856. João Caetano mesmo o reconstruiu em 1857. Em 1929 o teatro foi demolido e reconstruído em Estilo Art-deco e finalmente em 1986 foi reformado para sua forma atual[8] Não é a toa também que o grande marco da arte brasileira, a Semana de Arte Moderna, aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo.

Contraponto entre o Romantismo e o Realismo

O Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos, para condenar o que houver de mau na nossa sociedade. (Eça de Queirós)

Ao contrário do Romantismo, onde o protagonista representa uma face sonhadora e idealizada do país, o Realismo focalizava sua atenção sobre uma classe social específica: a classe média (a burguesia “recém ascendida”), que está sempre sendo empurrada para baixo - situação propícia ao desenvolvimento de conflitos psicológicos.

(Cena Economia de Genro)

Valores sociais em transformação.  Antes o privilégio de sangue, a família. Hoje o privilégio de posses, o dinheiro.

(Análise do quadro A Leitura de Almeida Junior)- questões- representação da classe média, conflitos entre homens e mulheres dentro de uma sociedade ainda patriarcalista, questões relacionadas a industrialização- sacada de ferro.

Leitura - Almeida Junior 1892 – Pinacoteca - SP

O abandono da idealização romântica é característico do movimento que quer mostrar a realidade do país tal como ela é. Artur Azevedo, assim como Martins Pena, são pioneiros em fazer isso nos palcos. Sem rodeios ou delongas, constroem cenas sem um herói utópico e perfeito, criando uma identificação imediata com o espectador que se reconhece nos espetáculos. Este movimento é de fundamental importância no processo de criação da identidade nacional, que nas artes cênicas tem como seu precursor Artur Azevedo.

Caipira picando fumo

Almeida Junio 1893 - Pinacoteca - SP


[1] Trecho contido no livro de Schwartz, Lilia Moritz “Espetáculo da Miscigenação”

[2] idem

[3] Revistado Instituto Histórico de São Paulo, 1904:53-4

[4] Novais, Fernando (org) História da Vida Privada no Brasil Império: a corte e a modernidade nacional. Cap I Vida privada e ordem pública no Império.

[5] Idem

[6] Sera, Tania. Artigo Indianismo:evasão e participação no romantismo brasileiro.

[7] Alencar, José. O guarani- Capítulo A luta

[8] https://lionel-fischer.blogspot.com.br/2010/06/o-realismo-no-teatro-brasileiro-1-fase.html